Um
reisado que usa máscaras de couro e madeira está sendo preservado no
município caririense de Potengi. Nem bem o dia inicia e a luz começa a
clarear, os integrantes do Reisado do Sassaré, sítio a 3km de Potengi,
estão a juntar as roupas e fantasias dos personagens de um dos reisados
mais raros do Brasil.É o único da região do Cariri com a característica
do uso de máscaras ou caretas.Confeccionada em madeira e couro, as
máscaras são preservadas desde os antepassados e resistem ao tempo.
É
uma prova de amor à cultura e à preservação de uma arte que não deve
morrer, mesmo diante da ausência de reconhecimento no Estado. Mestre
Antônio Luiz de Sousa, desde pequeno, deixava muitas vezes de dançar
para escutar os chamamentos do mestre Raimundo Maximiniano.As músicas
soavam ao seu ouvido como um aviso do destino. O menino só não aprendeu a
fazer as máscaras.
Hoje,
aos 51 anos, tem a preocupação constante de como fará para dar
continuidade a um trabalho onde os próprios filhos adolescentes não se
sentem à vontade para dançar na frente dos outros. Sentem vergonha de
uma arte que atravessou décadas e, segundo o mestre, desde o seu bisavô
tem notícia do envolvimento da família com o que ele chama de
brincadeira.A avó já trazia a notícia nos anos 30.
Dona
Neusa Luzia de Sousa contava as histórias de reisado que sempre
encantaram o neto Antônio.São seis agricultores do Sítio Sassaré, mais
os músicos e os personagens. Ao todo, são 12 personagens, que eles
conseguem formar. Mas o formato anterior seriam 12 caretas, além dos
outros integrantes. Essa tem sido a luta do diretor de Cultura de
Potengi, Jefferson Gonçalves de Lima, conhecido por Bob, como forma de
resgatar e fortalecer o grupo, que poderá estar fadado a desaparecer
caso não haja apoio para continuidade e valorização.
Segundo
Jefferson, que junto com o trabalho de resgate vem realizando
pesquisas, há outros personagens que precisam ser preservados. A
tradição nasceu no município, na comunidade do Sítio Rosário. Lá se
realizavam grandes espetáculos aos olhos dos visitantes até de outras
cidades da região. Junto com o grupo, a lapinha da comunidade também
chamava a atenção do público.
Encontro de mestres.
A
integração do grupo do Sassaré com os antigos brincantes da comunidade
do Rosário tem sido um dos trabalhos de Jefferson. Ele destaca a
necessidade de promover os encontros do mestre Antônio com os demais
mestres da região. O diretor cita que personagens como Jaraguá, Guriabá e
a Margarida estão ausentes da dança dos Caretas do Sassaré, além dos
caboclinhos. "É preciso fazer esse resgate e incluir mais brincantes
no grupo, para completar a dança, que representa muito para a cultura
local e a região", diz ele.
Brincantes
como Totonho e Massau, antigos integrantes de outros reisados, têm
intenção de retornar para o grupo dos caretas de Sassaré.Na pequena casa
do mestre Antônio Luiz, que há 22 anos conduz o grupo, a sala está
cheia de caixas. O violeiro, que mora perto e tem um papel importante
nas apresentações, afina o instrumento. Seu Francisco José de Amorim, um
dos mais antigos na brincadeira, junto com o mestre, também tem a
preocupação de juntar as roupas e incrementar os chapéus.
Até
para comprar os papéis coloridos para enfeitar as indumentárias foi
preciso buscar ajuda da comunidade. Seu Chico lamenta a falta de
valorização do grupo na própria cidade em que moram, bem como o
reconhecimento da população.Jefferson chegou à diretoria de Cultura da
cidade e um dos pedidos foi para que iniciasse um trabalho de resgate
dos Caretas, mas esse trabalho vem de mais longe.
Ele
afirma que, ao integrar a banda dos Ferréros, de Potengi, decidiu
incorporar um pouco da cultura local e o Reisado dos Caretas é presença
constante tanto na música, com um resgate da cantorias do grupo, como
também a própria dança. E leva o mestre para os palcos por onde se
apresenta.
A falta
de reconhecimento da população local entristece o grupo, que não deixa
de empunhar a bandeira da necessidade de dar continuidade aos
trabalhos.Os ensaios acontecem na associação da própria comunidade. Foi
melhor para eles, que antes tomavam conta dos terreiros com as danças.
As roupas estragavam mais rápido, porque bolavam no chão e a poeira
tomava de conta. Há quatro anos estão com as mesmas roupas. A dos
ensaios são as mais estragadas.
As camisas azuis estão desbotadas, mas o diretor de Cultura garante que já estão sendo providenciadas
novas roupas e sem a denominação do bumba-meu-boi, nas costas, como
está no uniforme que atualmente o grupo usa. Jefferson diz ser
consciente da necessidade de um trabalho de fortalecimento e divulgação
do grupo. Ele diz que por conta dessas deficiências, o dia tradicional
de apresentação do Reisado dos Caretas do Sassaré, em 6 de janeiro, Dia
de Reis, deixou de acontecer no ano de 2004 e por pouco não houve no ano
seguinte.
O grupo está concorrendo ao
Prêmio Cultura Popular, do Ministério da Cultura. Mestre Antônio ainda
não foi contemplado no Ceará como mestre da Cultura e lamenta ter
perdido por alguns pontos. Seria de grande importância o complemento
para auxiliar o trabalho.
Em casa, dona
Raimunda Rosa, esposa de mestre Antônio, acompanha todo o trabalho de
reunir o material para a viagem.A apresentação mais distante que
aconteceu do grupo foi em Fortaleza. Os passos da dança foram um pouco
prejudicados, por terem colocado um tapete no chão, mas conseguiram
assim mesmo levar a apresentação até o fim. Dona Rosa se diverte e ao
mesmo tempo atende a todos com o cafezinho.
Na
casa de três cômodos, as fantasias ficam na armadas de varas por cima
das paredes. O boi, a velha Quitéria e o velho Bacurau, urubu, ema,
entre outros personagens são chamados pelos acordes da viola a invadir o
terreiro. Entra o mestre a chamar: "Meu boi bonito, meu boi estrela,
touro do gado...".
RECONHECIMENTO AUSENTE
Artistas
lamentam falta de públicoPotengi Os caretas começam a se reunir para
uma de suas apresentações no início da noite, em Juazeiro do Norte.
Parece até um dia de festa. E é festa mesmo. O transporte vem pegar o
pessoal e várias caixas são colocadas no terreiro. A preocupação de
mestre Antônio Luiz é se vai dar para levar tudo e todo mundo. Mas desde
cedo que tudo está sendo preparado.
Seu
Francisco José Amorim está dando o retoque final nos chapéus. As tiras
de papel coloridas são coladas com cuidado nos chapéus em forma de cone.
As máscaras são preparadas. Levam até umas miniaturas para vender. Mas,
para tristeza de seu Chico, o público que eles esperavam não
compareceu.Às 18h30, marcada a apresentação no Centro Cultural Banco do
Nordeste, e umas poucas pessoas perdidas entre as cadeiras da platéia. "Quase não veio ninguém", diz seu Chico, desapontado.
A
ausência de público pela falta de divulgação condizente com o valor dos
grupos é uma punhalada no coração do artista. E para quem acha que essa
violência fica apenas no cenário mais sofisticado, o mestre Antônio
Luiz reclama da falta de consideração e reconhecimento do público de sua
própria terra, Potengi. "Chegamos a ser chutados nas ruas da cidade durante a nossa
apresentação"."Chegamos a nos apresentar uma vez e deram, já à tarde,
um copo d´água.O pessoal tava já desmaiando de fome", conta. Essa tem
sido uma prática comum para as apresentações com um cachê irrisório, de
fazer vergonha, e depois é servido um lanche. Pouco, para quem se
contenta em levar a alegria e a arte regional.
O
diretor de Cultura, Jefferson Gonçalves, afirma que vem sendo feito um
trabalho educativo com crianças e jovens nas escolas locais. O mestre
Antônio tem levado às unidades de ensino a sua experiência de brincante e
mostrado o valor de preservar a cultura arraigada de seus antepassados.
Essa é uma alternativa para se começar a perceber o que poderia ser um
símbolo da cultura do município, mais valorizado.E essa valorização
poderá começar a chegar dentro das casas dos componentes do reisado do
Sassaré. Os pequenos, filhos dos agricultores, poderão não mais sentir
vergonha de "mungangar". Nos ensaios do grupo, na Associação, os
adolescentes param de ensaiar quando a comunidade vai assistir.
Mais informações
Prefeitura Municipal de Potengi
Diretoria de CulturaCariri, (88) 3538.1225.
ELIZÂNGELA SANTOS REPÓRTER
Fonte: Diário do Nordeste